sábado, 24 de novembro de 2007

Ivanovitch e Katiusckha


Ele era um respeitável militar de patente graduada e descendente de uma família nobre. Ela uma camponesa simplória e lindíssima! Ivanovitch, apesar de ter idade suficiente para as núpcias já algum tempo, era solteiro. A moça viçava em sua juventude e nas palavras do próprio Ivanovitch, “Era uma flor do campo!”.
O interesse por Katuska, este era o apelido dela, causou escândalo. Mas como pode? Um nobre?! Katuska era filha de Vanka e Vania, antigos moradores na propriedade de Ivanovitch. Os pais, naturalmente, temeram as intenções do senhor. A mãe iniciou rezas por Santa Anastácia. Mas o senhor Ivanovitch, de fato tomado pela alma de um sátiro, quisera revestir sua licenciosidade das mais puras e castas formalidades, ocultando com palavras e ações suas reais pretensões.
Aos pais, Ivanovitch foi falar. Disse-lhes que chegara a hora de casar-se, que havia esperado todo esse tempo por uma mulher que efetivamente merecesse sua dedicação e pôs-se a declinar—lhes as virtudes da filha:
- Ela é uma boa moça, pura, inocente! Há de me fazer muito feliz e, prometo-lhes, hei da fazer dela uma respeitável senhora, oferecendo-lhe conforto, uma família e criados. E vejam, sei que isso não é tudo, mas a ascensão de Katuska terá rebatimento na vida de vocês – insinuava o nobre.
Com esforço e argumentos tais como esses, conseguiu que a jovem o acompanhasse a Moscou. Não iriam sós, é claro; Katuska seria monitorada por uma irmã e uma tia. Lá, conheceriam os encantos da civilização, os bulevares, os teatros etc.
Ivanovitch, em seus aposentos, estava eufórico. Esfregava as mãos numa antecipação do regalo e olhava-se no espelho confiante. Via refletida a própria estátua da vitória. Naquela noite iriam ao teatro e depois jantariam; no restaurante daria um jeito de ficar a sós com a moça. Com uma “conversa amigável” somada a um não desprezível embrulho recheado de jóias, alcançou o intento: jantariam apenas ele e ela.
No restaurante, deu-se o esperado:
- Senhor, fico sem jeito, senhor. Não sei me comportar. Todo esse luxo... – e baixava a cabeça em reverência e por timidez.
- Não fique assim, senhorita. Com o tempo verás que não há mistério algum.
Nesse momento Katuska distraidamente deixa cair um talher. A queda é acompanhada por um suspiro de susto seu. Alguns freqüentadores se voltaram para ela. Em seu nervosismo, julgou que todo o estabelecimento a olhava. Em seu frêmito e desconforto, moveu-se inadvertidamente e entornou a taça de vinho sobre o senhor Ivanovitch. Mais vexame ainda!
Ele era um grande apreciador de vinho, mas também um homem prudente. Meneou a cabeça pra lá a pra cá, num gesto negativo. Mas esse menear vinha em consórcio com um sorriso simpático, cordial. Na verdade, a cabeça expressava sua irritação interior, “É uma bronca mesmo”; os lábios refletiam seu lado racional, dissimulador, “É preciso não assustá-la ainda mais”.
A moça se fez mais calma. Durante toda a noite Ivanovitch tentou algum tipo mínimo de intimidade, um toque de mão, um roçar de pernas. Katiusckha barrava-lhe as tentativas. “É uma fortaleza”, dizia o nobre consigo.
A repercussão do caso em Moscou foi intensa. Não faltaram notas irônicas nos jornais. Mas Ivanovitch estava decidido. Agora não teria mais volta, seria o desbravador daquele tesouro. Virara uma espécie de obsessão, um capricho frívolo se tornou um desafio vital.
Marcaram-se as bodas. Agitava-se a cidade, os fuxicos fizeram-se usuais. A três dias do casamento, Ivanovitch foi mais uma vez visitar a noiva na casa dos pais.
- Boa noite, senhor – foi a recepção a ele.
- Boa noite a todos – dissera elegantemente o nobre.
Foram chamar a jovem. Mas ocorrera o inusitado: ela desaparecera. Como? Para onde? Puseram-se a procurá-la. A princípio sem grande ansiedade, posteriormente com aflição de morte. A lindíssima Katuska sumira. Era como se houvera desintegrado. Grande foi a confusão. O senhor Ivanovitch tornara-se iracundo, fervia-lhe o sangue, espumava-lhe a boca. E berrou, berrou desesperadamente como um profeta do antigo evangelho. Porém, obviamente, de nada adiantou o escarcéu. A moça que não fora ouvida sobre os arranjos matrimoniais, que permanecera calada em quase todos os momentos, arrumara um jeito de se pronunciar.
Com uma semana, espalha-se a notícia: Katuska fugira com um jovem e viril cossaco. Escândalo! Abalo sísmico na família e na alma de Ivanovitch. O pior ainda viria semanas após: Katuska fugira grávida. Daria à luz em breve.
O velho nobre envelhecera anos em dias. A vergonha e o ódio o consumiam. Terminou por refugiar-se no credo tolstoísta. Desapareceu do mundo. Katuska foi muito infeliz no casamento com o cossaco alcoólatra.

7 comentários:

A Autora disse...

Ahá! A moral dessa história é a resposta a uma famosa pergunta musicada por Noel Rosa:

"Pra que mentir, se tu ainda não tens
A malícia de toda mulher?"

Katiusckha devia ter aprimorado a técnica. Seria casada, teria conforto, o filho seria herdeiro e o cafajeste estaria ainda mais satisfeito com a condição de amante.
Mas quis ser sincera... taí, Noel Rosa. Respondido?

Anônimo disse...

tá indo bem, Josias! registre teus textos, senão vem um Falso Wolff qualquer aí e te plagia.

Anônimo disse...

Geó,

Depois de um tempo sem acessar, por causa do trabalho, voltei. Voltei e encontro essa beleza de texto.

Josias agora está internacional. Direto de Moscou para o mundo.

Serbão, onde você registra seus textos?

Um abraço,

Dimas Lins

Anônimo disse...

eu não registro não, Dimas...
nem há necessidade, não sou escritor.
mas o Josias é, e dos bons !!! e esse conto russo corre risco de ser surrupiado.

um cara que registra é o Marconi Leal, ele pode dar umas dicas. parece que ele registra pela Biblioteca Nacional.
abraçao!!!

Josias de Paula Jr. disse...

Ana, de certa forma, a teoria de Noel talvez ajudasse a moça no provimento de seu futuro. Mas, quem sabe, sua sina era ser sincera!

Serbão, já estou providenciando. Por sugestão justamente de Marconi Leal, que é um amigo-irmão meu; amigo de infância. E sofreu a faina do Infausto Bad Wolf...

Dimas, sei como se faz mas é complicado pra burro passar por aqui... Te passo em "viva voz". Beleza.

Sofia disse...

é esse? gostei de ser um conto russo... e achei a inspiração bem aproveitada! beijo.

Anônimo disse...

Obrigado por intiresnuyu iformatsiyu