quarta-feira, 10 de junho de 2009

Poema


Ilustração: Valerio Carruba



A Saga da Fala


Se arrasta a lesma do tempo,

esmagada pelo peso das palavras.

Letras vazias, como adereços,

ataviam rotas vestes,

que cobrem as apodrecidas carnes

do esquálido corpo

da rotineira hipocrisia de nossa voz.


Voz sempre velada, que perpetra

disfarces.

De cúpida origem e alma avara.


Fala que costura engodos

e imprime sorrisos – simpáticos simulacros dos ódios...


Fala firme e tranqüila, inscrita em mansa face:


Ah! justo deus, tal a humana sorte

para o nosso tagarelar insano:

que dissimula desejo de morte

por trás de cada banal ‘eu te amo’.



10 comentários:

Unknown disse...

É isso Josias! Bravo, bravíssimo!
É um tema sempre pontual esse da incontornável hipocrisa humana.
Abaixo vai outro grande poema, de Pedro Lyra, como sugestão para futuros tópicos da categoria "Citações":

Soneto de Constatação — XXVI


Nasce um homem.
Quando ele se percebe
joga contra o destino a sua vontade:
quer luzir
quer voar
quer sobrepor-se
para provar que a vida tem sentido.

Trabalha:
cada fruto desse esforço
lhe torna o mundo em forma de desfrute.

Combate:
cada etapa ultrapassada
acrescenta-lhe forças para a próxima.

Pesquisa:
cada jóia imaginada
lhe confirma o triunfo sobre o tempo.

Mas na hora mais densa opaca íntima
em que um espelho cego cobra o sendo
nem glória
nem riqueza
nem poder:

— só interessa mesmo o que lhe falta.

Nanda Assis disse...

é complicado o poder e a inutilidade das palavras.
bom feriado.


bjosss...

Yara disse...

Palavras se perdem ao vento, acredito que seja esse o motivo pelo qual falamos com tão pouco sentimento.
Amei o poema!

Ezter Liu disse...

Menino.... tais virado né? massa isso. Dá vontade de postar também... belo poema. Parabéns!

Magna Santos disse...

É, poeta, às vezes "eu te amo" rima mesmo é com 'engano'.
Abraço.
Magna

Ana Areias disse...

que forte, geó! palavras produtivas e ricas, e com propósito!
curioso falaste de palavras falsas, de falas rasas...meu ultimo post foi justamente sobre as limitações da linguagem...aí acho que já é o contrário, no lugar de uma banalização da fala, a falta de signos que expressem coisas que são verdadeiras, que sentimos...

Magna Santos disse...

'A saga da fala' parece ter produzido silêncio, ao menos, aqui.
Está fazendo falta.
Abraço.
Magna

clarice disse...

Olá, sou clarice e estou tentando criar um blog. Procurando informações,esbarrei no seu e achei muito bom.Será que vc pode me da uma força?
O nome é registros aleatorios.
Obrigada

A Autora disse...

E pensar que nossos ouvidos vivem à mercê dessas falas... assim como nossa própria boca.
Camarada, isso é acupuntura poética. Análise de ponta. Parabéns.

Dimas Lins disse...

Geó,

Excelente poema. Este é um poema maísculo digno da tua assinatura.

Impressionante também é que depois de um tempo de repouso você voltou com a carga toda. A produção está a todo vapor.

Dimas