segunda-feira, 28 de abril de 2008

Reflexão poética



O fugitivo

Foge
impulsionado pelo medo,
e por aquilo
que o persegue.

Há tanto tempo
foge,
que não distingue mais perigos
nem rastreadores.

Se possível
teria ao mais absoluto recôndito,
sem som e sem luz,
e ali viveria feliz.

Mas não há tempo
para procurar
seguros esconderijos.
E por isso corre
e corre
e corre
e se esgueira...

E o desacerto dos passos
o cansa.

Até que o vem poupar a morte!
E, por fim,
o fim do mistério.

Daí descobre, aparvalhado,
que a vida que lhe fora um refugo
não era a obra de um deus
ou de um cínico diabo;
e do flagelo dos dias seus
fora ele próprio o vil verdugo.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Poema



Fujo do sol e do antélio

e dos fáceis gozos me enjôo;

nem almejo pretensos vôos,

tal Ícaro vil e funéreo.


Não quero festins e palácios.

O meu desejo, as saturnais

não mitigariam, jamais,

nem me livrariam do asco.


Também não me basta migalha

nem sobras de um mundo abjeto.

A Cristo e Deus lanço o repto

que a um tonto servil não calha:


“- Não venham enganar com esmolas!

- Se afastem, pois mortos estão!

Se não me fazem Salomão,

vão às favas sem mais demoras.”


Deus que põe em tudo que observo

Dianas vestais, como isca.

Teatro a todos da à vista:

a morte por cães como cervo.


Mas não sou Ateão pateta

para fugir a minha caça;

não troco por belas trapaças

minha alma rude de asceta.


Não sou ávido nem estóico.

Sou pedra, ao vento lixada;

que com a alma infatigada

resiste ao destino despótico.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Poema




Um janela

Vi a lua em teus olhos.
Duas pequenas esferas
pratas,
no castanho da íris.

Lua imensa, dentro de ti.
Clarão a iluminar
meu lado obscuro.

O que me era dado sentir?

Vi a lua em teus olhos.
Duas pequenas esferas
pratas,
no castanho da íris.

Uma lua, senda e segredo,
desvão, trilha sofrida;
levando a mim.

Era tua luz que me gerava medo?

Ferida aberta
a minar sangue,
esse reflexo
em teu olhar,
é tão agudo
em sua pureza:
que não consegue
me libertar.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Poema



Trapézio

Solto no incerto,
salta.
Mãos no vazio,
nada por chão.
Antes do encontro esperado
e redentor,
um salto mortal.
Seria ilusão de vista
o ato do trapezista?
Voa,
ausente de tato.
Perfaz um arco descendente,
cai -
descuidado qual estrela cadente?
Seguem segundos,
surdos.
Frêmitos mudos.
A vida jogada ao acaso,
sustida pelo hábito.
Tocam-se mão e madeira: aplausos.
Segue o show, muda-se o palco.

Na platéia, eu, com a alma contida,
Percebi no espetáculo minha vida.


terça-feira, 1 de abril de 2008

Poema


Dúvida metódica

Apenas a dúvida me duplica
E os erros seguidos me dão coragem
Renego a certeza que interdita
O acesso sagrado à outra paisagem

Poema


Estalactite

Como desenho de gruta,
Me precipito do espaço.
Engenho frágil, mortiço.
O nada me faz percalço.

Se caio me desfaleço.
Se fico, por que padeço?

Fome de chão e de teto.
Algo em meio,
Pendido.
Desvio de quantos ecos:
Que sorte me serve de abrigo?

Vaticinado de berço
Pra nada, furtiva vaidade.
Anátema da gravidade
(brinquedo do peso e da vacilação!),
meu ser encerra um enigma:
enquanto sonho de pedra:
inconcluso;
se me completo, pereço.

qual fosse um cadente astro
trafego em finito rastro!

28.04.06
6:00h
João Pessoa.
Sobre o quadro:
Estalactite, de Dalton Luiz