quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Uma manhã na praia


Uma mulher com toda a beleza de seus 32 anos. Esguia, com um rosto bem desenhado e afilado. Por mais que a insegurança a fizesse recusar a admitir-se bela, sabia-se desejada. Mas, cada confirmação pontual de seu poder de atração era rapidamente sobrepujada pelo pensamento persistente, maciço de desconfiança, de dúvida. Assim, via-se em eterna necessidade de reafirmar sua capacidade de sedução.
Entregara-se ao amor verdadeiramente. Namorara e casara. Porém, a seqüencia de desencontros, renúncias desvalorizadas, atritos fúteis e o ciúme exacerbado do parceiro, esfriaram-lhe os sentimentos; abriram uma cova onde paulatinamente se foram soterrando os bons momentos de paixão, até que a terra da indiferença e do desânimo sulcou sua alma definitivamente e transformou o terreno de seu espírito em solo infértil para a flor da antiga chama.
Pensava nisso, nessa manhã de sol forte e praia movimentada. Esperava poder um dia reviver um encontro amoroso. Se possível, desejava que a plenitude desse próximo enlace durasse o tempo de sua vida inteira. Nascera para o amor. Mas, na verdade, vivia o rescaldo do fracasso. Experimentara sensação semelhante a de pagar pesadas prestações monetárias para enfim não poder resgatar o algo que pretendia. Tempo irredento. Acaso não houvesse seu filho, brotado desse galho seco do passado, a frustração seria maior. Seu filho era uma linha paralela de tempo, a âncora mais forte que a atava à realidade. Lindo!
Todavia, uma relação filial parece não abarcar a totalidade da alma humana e para sentir-se mulher buscava outros caminhos do querer; então aspirava paixões antes que novas núpcias. Sentia necessitar ser arrastada pela força de uma sedução, entregar-se a uma aventura sem compromissos com o futuro, atiçar o desejo e saciá-lo com uma vencedora. E por isso ria agora. Ria discretamente, para si mesma, pois próximos a ela, dois rapazes, sentados à frente, a olhavam insistentemente e teciam comentários. Fingiu não perceber. No primeiro momento, inclusive, desacreditou ser ela o objeto da cobiça. Eles eram lindos!
Agitaram-se-lhe o sangue e a imaginação. Suas idéias condensaram-se em um tema específico, fazendo pulsar as artérias, alterando a respiração, acionando os mecanismos das vazantes femininas, aumentando-lhe o calor do corpo. Ficou em um estado de suspensão, um tanto alheia um tanto alerta para a abordagem esperada. De quando em quando concedeu brevíssimas trocas de olhares; o que após virava a face e seguia na convulsão ideal.
Depois de alguns meses sozinha – solidão que alimentava sua infortunada insegurança -, nos quais não se permitiu a aproximação de homem qualquer, sentia-se preparada, tranqüila, ávida de fogo passional. Estava, agora, grávida de sensualidade. O que passou estava decantado e neutralizado, e o presente aberto à nova vida.
Enquanto sua mente vagava no embalo eufórico, não percebera a vinda dele. Vinha do mar, a pele brilhando pelos reflexos solares na água que lhe escorria do corpo, os cabelos um pouco em desalinho. Sorriu absorta, o espírito dissipado na brisa marinha, e ouviu:
- Mamãe! Mamãe! Eu vi um peixinho bem na beirinha! Ele era amarelo e preto...
Para S. L.

6 comentários:

Anônimo disse...

Olha só como o senhor é sensivel! Ta bonito... bela forma de contar, amei o final! só acho, não sei porque, que ela devia ter 31 anos : )

Anônimo disse...

"Estava, agora, grávida de sensualidade."

Meu velho, você foi fundo. Estou captando a frase e imaginando o fundo musical. Afinal, esta frase é musical.

Aliás, a crônica é muisical.

Outra, concordo com anônimo. Achei também que ela devia ter uns 31 anos. É só intuição.

Um grande abraço,

Dimas

Anônimo disse...

Agradeço a referência final.

Sebastião Long (popularmente conhecido como o ¨três pernas¨)

Anônimo disse...

Nossa! quanta inspiração. Nem sei quem é S.L., mas com certeza deve ser especial e por um breve momento tive ciumes dela. Adorei!!! me vi em algumas passagens, vc é ótimo!

A Autora disse...

Hum... esse teve um tom bem pessoal...
Camarada, além de procurar seus escritos, dessa vez vim aqui também desejar tudo de bom para você neste novo ano!
Beijão,
Ana Cláudia

Anônimo disse...

Hum...Que sensibilidade...Disso eu já sabia...Nunca duvidei...A idade, pode ou não, ser...Vai saber, não é, Seu Josias? Mas adorei os textos, ainda que continue gostando mais de poesia... Das suas inclusive...